domingo, 22 de agosto de 2021

"Goor - A Crónica de Feaglar II " de Pedro Ventura | Beijinhos e chouriço

**Aviso: O texto que se segue pode conter spoilers e uma considerável quantidade de sarcasmo.**

**Aviso 2.0: Tudo o que se segue provém da minha opinião pessoal. Ou seja, não têm qualquer valor para ninguém que não eu.**
 

 

 Bem... sinto-me um pouco desapontado. Contudo vou começar pelos pontos positivos. 

Tal como no primeiro volume, tenho de mencionar que a capa é excelente, muito original e encaixa-se bem dentro do tema do livro.

A história começa, onde o primeiro volume nos deixou, no início da viagem para Goor. Digamos que as primeiras 180 páginas (mais ou menos), são dedicadas a esta viagem e à exploração de um território desconhecido. E aqui começa a minha rant...

Então, no primeiro volume é nos transmitido que a história " Trata-se de uma fantástica aventura do rei e dos seus companheiros, que os levará aos limites das suas capacidades e aos confins do mundo conhecido, enfrentando inúmeros perigos e a herança de um nebuloso passado que foi propositadamente apagado da memória de todos os povos.". Contudo, nesse primeiro volume, apenas acompanha-mos a preparação para tal viagem, 290 páginas de preparação. Agora, estava à espera que este segundo volume se dedicasse à aventura em si... mas não, a viagem, apesar de longa para as personagens, é bastante encurtada na narrativa, quase dedicando-se mais a um triângulo amoroso (já lá vamos) do que à exploração e aventura! Em cerca de 180 páginas essa aventura acaba e agora as restantes são dedicadas a todo o conflito que resulta da expedição. Portanto (indo à calculadora, porque conta de cabeça não é comigo), de 750 páginas de "Goor - A Crónica de Feaglar", apenas cerca de 180 páginas se dedicam ao caminho para Goor, menos ainda à exploração de Goor (sendo estas subtraídas a essas 180). Porque não intitular os livros de "A Crónica de Feaglar", deixando cair o "Goor"? Fazia mais sentido para mim.

Novamente, como no primeiro volume, a organização do texto é terrível, talvez ainda pior! Neste segundo volume, temos apenas um capítulo: "A viagem para Goor", ocupando todas as 460 páginas do livro, sem uma única quebra/espaçamento entre parágrafos (veja-se a rant anterior, sobre o primeiro volume, para mais sobre esta problemática). Para além disto, consigo perceber o porquê da Papiro Editora não ter tido sucesso. Apesar de escrita ser acessível, há inúmeros pequenos erros (coisas simples como usar singular onde devia de ser o plural e a troca de género das palavras), não estragam de forma alguma a narrativa e não são culpa do autor. É perfeitamente normal estes enganos acontecerem durante o processo de escrita. Mas demonstra a falta de uma atenta revisão por parte da editora. A agravar, encontrei também vários problemas de continuidade, por exemplo, a certa altura, Feaglar desembainha duas espadas (tendo as duas mãos ocupadas), dispara uma besta (requer duas mãos) e depois diz a Galana que têm de fugir pois ele apenas têm uma espada... tudo dentro da mesma cena.

Agora, voltando às tais cerca de 180 páginas de aventura e exploração valem a pena? No começo sim, a primeira parte da expedição é bastante interessante e empolgante, onde se entra em contacto com duas tipologias de novas criaturas e observamos como as personagens lidam com as dificuldades da viagem. Todavia, tudo isto começa a se desmoronar quando Gar-Dena pede para se afastar durante uns dias, pois precisa de estar sozinha... o seu valoroso e fiel marido, rei Feaglar, fica muito triste, portanto, uns dias depois, já está numa relação com Calédra... Enfim, tal como já tinha dito na rant anterior, Feaglar é um péssimo rei, e agora digo que até é mau amigo e companheiro. Apesar de o autor/narrador enaltecerem a personagem sempre que possível, esta personagem (que é a personagem principal) é extremamente egoísta, pondo os seus desejos acima de os de toda a gente à sua volta. As restantes personagens aceitam tudo o que ele faz, basicamente porque o autor as criou para isto. Já volto ao Feaglar.. aproveito a pausa (coisa que este livro não faz, tal como o primeiro volume), para explicar que não tenho nada contra o autor, Pedro Ventura, até o admiro por ter conseguido escrever e publicar livros em Portugal, espero eu, um dia, conseguir tal feito.

Voltando à questão da viagem, um exemplo do quão pouco explorada a expedição para Goor aparenta ser: em toda a exploração destes novos territórios as personagens apenas encontram duas criaturas, uma num pântano, e outra humanoide que depois serve como uma infindável fonte de "minions do mal", para o "Senhor da Trevas" - já lá vamos... Tudo poderia ser muito mais explorado e desenvolvido, em vez de estarmos a acompanhar Feaglar e Gar-Dena aos beijinhos e abraços, e Feaglar e Calédra aos beijinhos e abraços. A quantidade de "beijos" neste livro é descomunal, Feaglar é um distribuidor de beijos para mulheres (só as bonitas claro - interessante como sempre que uma personagem feminina é apresentada é descrita fisicamente de acordo com a sua beleza; quando uma personagem masculina é apresentada, "bem, este é o Manel", e pronto está feito). Pena que não tive esta ideia antes, podia ter contado a quantidade de beijos que o Feaglar deu a cada personagem, seria um estudo interessante... tarde demais agora.

Devido a este fatores, fiquei com a impressão que, após a chegada e partida de Goor, o enredo perdeu-se um pouco, passando a "encher cada vez mais  chouriço" com cenas irrelevantes. O objectivo inicial era chegar a Goor e acabar com os planos de Calicíada, contudo, as personagens falham esta meta e Calicíada regressa ao seu reino, cheia de novos poderes e com a capacidade de controlar as criaturas humanoides que foram apresentadas anteriormente. Isto agora leva-me a analisar os vilões da história. Calicíada (que na verdade estava possuída - ou algo do género - pelo espírito de um aurabrano mau "do antigamente") tem como objectivo o fim dos humanos porque... bem... porque é a má da fita, portanto tem de fazer coisas más. Mesma coisa mais tarde com Muthul (se não me engano), é mau e faz coisas más, porque é mau. Nenhum deles apresenta um plano ou agenda própria, apenas existem para serem os maus da fita.

Pior ainda é a derrota de Calicíada, que deveria ser o pico da narrativa. Tal ocorre dentro do seu palácio, onde a mesma tem um típico discurso de vilã, e luta contra Feaglar sozinha (Gar-Dena está mesmo ali ao lado, armada e pronta, mas não interfere para não estragar a cena). Depois de Feaglar ser derrotado, mas não morto, é claro, porque Calicíada quer que ele sofra (típica desculpa para não matar a personagem principal), Gar-Dena larga as suas espadas e lança-se contra Calicíada completamente desarmada. Morre quase instantaneamente e nesse momento algo especial acontece... os holkan, espécie de divindades ali da coisa, ao verem a sua preferida morrer, engasgam-se com uma pipoca, deixam cair o copo de coca-cola, a sua mãezinha assusta-se e pergunta-lhes "o que se passa fofinhos?" e começam a refilar para a televisão e para a mãe que é uma grande injustiça aquela personagem morrer, pois era a sua absoluta favorita e que assim não podia ser! Não há mais condições para trabalhar, estudar nem ajudar a pôr a mesa! Portanto decidem intervir e acabar com aquela brincadeira, dão um discurso fofinho sobre como a humanidade é que é boa, retiram todos os poderes a Calicíada e dão-lhe uma palmada psicológica. Depois, Feaglar levanta-se, simplesmente avança até Calíciada e corta-lhe a cabeça. E assim os holkan sentaram-se novamente a ver o resto do episódio, enquanto a mama limpava a coca-cola e as pipocas do chão. 

Muito sarcástico, peço desculpa... mas isto representou o culminar da minha paciência com o livro. O enredo principal é resolvido com um grande deus ex machina! Os holkan podiam ter intervido a qualquer altura para resolver a situação, evitado todo os problemas dos dois volumes. Mas apenas o fizeram quando Gar-Dena, literalmente, se suicidou. Não faz sentido, não demonstra criatividade, retira valor a todos os sacrifícios, nada importava, apenas a vontade daqueles seres divinos.

Enfim, depois disto ainda temos quase mais 200 páginas, onde as personagens tentam terminar com o que resta da guerra, no final temos mais uma espécie de deus ex machina, mas este não é dos piores. Simplesmente é um pouco conveniente demais para ser credível: quando os exércitos de Feaglar estão em apuros e tudo parece perdido, lá aparecem reforços inesperados que salvam o dia. Mas maior parte destas restantes páginas são dedicadas ao amor de Feaglar e à dor de perder Gar-Dena (epá, não sei, durante a viagem para Goor, ela ausentou-se durante uns dias e ele já estava enrolado com outra...). Desde que Gar-Dena morreu que era óbvio que Galana a iria substituir, basta ver pela quantidade de beijinhos que Feaglar lhe dá. Portanto nada de novo ou inesperado ai. Sinto que o final foi extremamente esticado.

Tal leva-me a outro ponto. Quando estava a pesquisar sobre os livros, ainda antes do os começar a ler, algo que se destacava eram "as personagens femininas fortes". Desenganem-se... sim, há personagens "fortes", Calédra e Gar-Dena são "fortes"... se levas um murro de uma delas vais parar à lua, mas a "força" acaba por ai. Ambas apenas querem (desculpem a linguagem crua) a pila do Feaglar. Estas duas personagens poderiam, possivelmente derrotar Calicíada, se trabalhassem juntas... ambas sabem e admitem isso (e tal tornaria a história mais interessante, sendo uma aliança entre as duas o que levaria à vitória, em vez de um deus ex machina). Contudo, o foco de ambas é matarem-se uma à outra (acabando por resultar na morte de Calédra), porque ambas querem saltar para o colo do Feaglar. São poucas as personagens que posso considerar "fortes", sejam femininas ou masculinas, e todas elas secundárias ou terciárias. Thalian, e Odralgar são interessantes, Galana pode ser considerada (já tinha esta opinião na rant anterior) a única personagem feminina (que mais se aproxima das personagens principais) a ser considerada forte. 

Terminando agora, novamente com Feaglar, a minha opinião mantêm-se (ou até mesmo agrava-se). Feaglar é um mau rei, mau marido, mau pai, mau homem... contudo é retratado como o herói da história. Ele não é fiel, apenas se preocupa consigo e com os seus sentimentos, pensa que o mundo gira à sua volta, é rude, incessível  e agressivo para com os que estão à sua volta... mas não faz mal porque depois dá muitos beijinhos e pede muitas desculpas... portanto tudo fica bem e viva Feaglar. Enfim... não estou contra a personagem ser e agir assim, não tem mal nenhum retratar uma pessoa assim como personagem principal da história, agora o que não fica bem é o tom do narrador/autor (que é totalmente omnipresente) que enaltece sempre Feaglar como um modelo a seguir. Sim, Feaglar faz coisas consideradas da praxe como sendo "do bem"... como preocupar-se com os pobres e com a criancinhas. Mas depois toma decisões que claramente os entalam por trás... mas tal não é explorado no enredo.

Acho também um pouco estranho a forma como as pessoas dos diferentes reinos humanos são retratadas. É sempre utilizado o termo "raça", os nilmec são uma raça, tal como os tendra e os dhorian... cada "raça" tem o seu reino e aparentemente, até ao desenrolar da história, estas "raças" não se misturam muito... o que é um pouco estranho, pois o "mundo" não parece ser assim tão grande, portanto os vários povos ("as várias raças") deveriam interagir mais entre-se e ter menos diferenças tão enraizadas. É um pouco estranha esta divisão em "raças"... mas pronto. Um mapa ajudaria imenso a entender este mundo... honestamente muitas vezes senti-me completamente perdido, sem saber onde as personagens estão, que reinos estão a Norte, Sul, e quais fazem fronteira com X e Y.

 

Em geral, sai desapontado de Goor. Posso dizer que até gostei mais de Allaryia e que agora percebo o porque de esta saga não ter tido sucesso. Ainda me falta agora ler "O Regresso dos Deuses: Rebelião", já desfolhei e parece que se foca apenas em Calédra, muitos anos depois.. vamos lá ver o que sai daqui. pelo menos parece mais organizado (não esperava outra coisa de algo publicado pela Presença), vamos ver se conseguiram "domar" o autor.

Nas primeiras 100 páginas do livro, estava convencido que lhe daria um 4/5, mas é me impossível. No primeiro volume perdoei muita coisa para dar um 3/5, aqui repete-se o mesmo. Não tenho coragem de atribuir um 2/5 devido a um sentimento de "camaradagem" para com um autor português. Este livro precisava de ser revisto e editado, muitas coisas cortadas e modificadas, talvez até de forma a incorporar apenas um volume. 

Ainda não decidi se parto já de seguida para o próximo, ou se vou ali a Westeros primeiro (arranjei o Fire and Blood uhuhuhuh).


Ps: Ao ler as reviews de outros leitores, por vezes pergunto-me se li os mesmo livros.


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