quarta-feira, 30 de junho de 2021

"Crónicas de Allaryia: Oblívio", de Filipe Faria. | O fim do principio e o principio do fim.

Este durou algum tempo a terminar, muito devido a pouco tempo da minha parte... quem me dera estar em teletrabalho! Vejo muitas pessoas constantemente a reclamar de estarem fechadas em casa, já eu, que me vi obrigado a sair todos os dias para trabalhar, viajando em transportes cheios como latas de sardinhas (qual distanciamento social qual quê...), dava tudo para voltar ao teletrabalho! 

Vamos mas é diretos ao assunto, caso contrário nunca mais saio daqui com lamurias.

(Por alguma razão não consegui arranjar uma imagem da capa com boa resolução, não sei bem porquê).


**Aviso: O texto que se segue pode conter spoilers e uma considerável quantidade de sarcasmo.**

**Aviso 2.0: Tudo o que se segue provém da minha opinião pessoal. Ou seja, não têm qualquer valor para ninguém que não eu.** 

 

Comecemos pela capa. Infelizmente a minha cópia do livro é uma das edições mais recentes, com a capa com duas espadas cruzadas. O pobre autor provavelmente não teve muita opção de escolha (se é que a teve de todo), imagino que a editora tenha mudado a capa para seguir "as tendências", contudo esta capa pouco se relaciona com a história. Talvez a ideia seja que as espadas representam Ancalach e Dalshagnar, se bem que as espadas representadas não se assemelham em nada ás referidas na história. Para além disso, no pomo de uma das espadas está representada a cruz cristã, e na guarda da mesma estão representados os três leões de Inglaterra... logo aqui temos anacronismos. A outra espada é mais simples, pelo que não comete grandes "pecados" contra Allaryia, tendo apenas dois dragões em alto relevo na guarda. Porquê adotar esta capa quando a capa original representa muito melhor o conteúdo do livro? Se bem que a capa original dá um pouco de spoilers sobre o que acontece na história, mas mesmo assim acho que compensaria:


Em frente, com mais detalhes irrelevantes! As páginas deste livro são de papel reciclado, o que me surpreendeu pela positiva! O papel é mais maleável, não perdendo a consistência, o que me permitiu ler este livro, com cerca de 600 páginas, sem ficar com um vinco na lombada! No final da leitura, a lombada encontra-se como nova! Mais editoras/edições deviam adotar esta tipologia de papel em livros de capa mole.


Enfim, vamos lá. Não me vou centrar exclusivamente neste livros, mas sim na totalidade da saga, visto que este é o último livro... mais ou menos, acho que o autor estar a lançar uma continuação na forma de uma trilogia, já tenho o primeiro volume - " A Oitava Era").

Apesar de se notar uma clara evolução na escrita do autor ao longo dos sete livros, algumas problemáticas (segundo os meus gostos) persistem. As descrições excessivas, especialmente nas cenas de ação, estragam todo o processo imaginativo por parte do leitor. Ainda à cerca de dois dias troquei impressões sobre esta temática com uma amiga. Normalmente, quando estou a ler um livro, o autor apresenta uma personagem, demonstrando os traços físicos e alguns psicológicos, os restantes vão se desenvolvendo ao longo da história. A vestimenta da personagem é exposta de vez em quando e parcialmente. Conforme vou conhecendo a personagem, não preciso de uma descrição detalhada e constante da sua vestimenta, eu consigo imaginar isso! Bastava descrever o que as personagens vestem quando é relevante para a história. Ao longo dos sete volumes aposto que podiam ser cortadas umas 100 páginas de descrição de roupas desnecessária.

O mesmo se aplica às cenas de luta, novamente extremamente descritivas! Batatada é suposto ser empolgante, brutal e rápido! Durante estes sete livros, se cortar-mos toda a descrição de luta, caiam umas 300 páginas... ou mais. Novamente, tal como a roupa, eu conheço as personagens... eu sei como pensam e como funcionam, não preciso de uma descrição detalhada de cada movimento muscular de cada personagem! Alguém que sente o Filipe Faria numa cadeira (sofá vá... eu não sou assim tão mau... com um penico ao lado, vai precisar... ah e uns snaks, bebida e assim) e que o obrigue a fazer uma maratona dos filmes do Senhor dos Anéis em que, sempre que acontecer uma cena de luta reduz-se a velocidade do vídeo assim aí para uns 20%.

Relativamente à história, acho que o autor cometeu um grande erro logo no primeiro livro e que depois se tornou impossível de emendar. Ao longo de todos os livros, quando se refere Seltor, ou as várias criaturas que o servem, as personagens (refiro-me a personagens secundárias e mesmo a "figurantes") reagem como se fossem entidades/seres míticos, de um passado distante, que apenas são imaginadas em pesadelos e em história para assustar crianças. Quando confrontadas com o regresso de Seltor, recusam que tal seja possível... Estas reações, por parte de personagens, transmitem a ideia de que todo este lado negro da história de Allaryia foi num passado longínquo, aliás até é referido que tal aconteceu numa era passada. Mas afinal, à quanto tempo aconteceu isto mesmo? Ah pois... cerca de 25 anos! Então... a população de Allaryia tem amnésia coletiva? Mais de 85% da população viva durante estes sete volumes, deve ter estado viva durante essa "era negra"! Portanto ou tem todos amnésia, ou ouve aqui um erro de principiante no worldbuilding inicial. Existe um fenómeno chamado "memória coletiva", onde um povo mantém a memória de um acontecimento durante várias gerações. Isto acontece especialmente quando o acontecimento em questão é algo traumático, como um desastre natural ou uma guerra. Por alguma razão, a maior parte da população de Allaryia "esqueceu-se" de detalhes de um acontecimento traumático recente! "Esqueceu-se" não é bem o termo certo... eles sabem o que é, mas tratam como se fosse algo tão cronologicamente distante, como se apenas lhes tivessem chegado histórias contadas pelos seus avós, que por sua vez também apenas ouviram dos seus avós... Ora isto não faz sentido nenhum, não se criam "lendas" e "mitos" em 25 anos! Na memória coletiva, 25 anos atrás foi ontem!

Relativamente à história em si, teve um final em aberto, o que acho positivo. Acho que basicamente todos os enredos (expeto esse ultimo dos filhos do caos - que deve ser abordado nesta nova trilogia), foram encerrados. A personagem mais interessante foi sem dúvida Seltor, a menos interessante foi o narrador, que literalmente estragava partes das história dando spoilers, que salta de PoV como a minha prima salta à corda e que mesmo dentro do PoV de uma personagem, descreve o que a personagem está a ver, depois descreve o que esta personagem não está a ver e depois repete essa informação quando a personagem finalmente vê o que antes não estava a ver, mas que já foi descrito quando não estava a ver e estava a ver outra coisa... enfim.

O confronto final foi interessante, mas extremamente longo, cerca de três capítulos se não me engano (e capítulos muito longos, um deles com umas 40 páginas - cheias de descrições desnecessárias que não contribuem nada para a história).

Dou um grande ponto positivo, pelas personagens principais terem regressado para reaver o corpo do pobre do Babaki (que foi "suicidado" pelo autor... sim eu não me esqueci dessa).


Enfim, de modo geral, o último volume manteve-se consistente com os restantes. A conclusão da história é satisfatória, deixando em aberto para ser desenvolvida.

A este volume, bem como à totalidade deste ciclo, dou um 3/5. Como também já indiquei anteriormente, posso não gostar muito de alguns pormenores e a história pode não ser a mais intrigante, mas aprecio o esforço  e perseverança do autor.

Tenho esperança que o estilo de escrita mude um pouco no novo livro, vamos ver, mas primeiro tenho de ir visitar uns quantos outros mundos, que já estão em fila de espera na parteira.