Esperava ler este livro em pouco tempo, como
disse na review do anterior, comecei a ler "As Vagas de Fogo" no
mesmo dia em que acabei "A Essência da Lâmina". Contudo a minha vida
deu uma daquelas reviravoltas inesperadas. Ainda sem ter acabado a tese (que
ainda está no limbo), decidi inscrever-me no site oficial para a contratação de
professores e tentar a minha sorte. Pensei que não tinha nada a perder, nunca
nenhuma escola aceitaria alguém apenas com licenciatura (nem dava para pôr a Pós-graduação
no site) e sem experiência alguma, como professor de História. Portanto
concorri já convencido de que não iria conseguir. Tenho uma amiga que já tem
Mestrado e que está à mais de um ano a procurar emprego... nunca conseguindo.
Ainda por cima no meio da pandemia, cada vez há mais desemprego em Portugal,
vejo isso nas notícias quase todas as semanas.
Mas "o azar de uns, é a sorte de outros",
como a minha avó costuma dizer. Dois dias depois de me ter inscrito em
concursos para várias escolas (mais ou menos na minha zona), estava eu com umas
mantinha nos joelhos e sentado à minha secretária, a ler precisamente "As
Vagas de Fogo", quando toca o telefone. Cerca de dois minutos depois já
sou professor contratado de História (e Teatro... mas ainda não sabia disso).
Primeiro emprego, sem estágio profissional, sem experiência, completamente às
cegas... e para começar já na terça-feira (isto passa-se a uma sexta-feira). Só
na segunda-feira é que descobri o meu horário, quantas turmas, de quais anos de
escolaridade e o facto de também ter de dar a disciplina de oferta de escola:
Teatro. Eu... a dar Teatro... eu, introvertido, que já estava nervoso por ter
de dar aulas a 193 alunos, que não gosto de me expor devido ao meu aspecto e
personalidade... agora tenho de ensinar os alunos a fazer algo que eu próprio
não percebo nada... Felizmente houve uma salvação, algo que grande parte das
pessoas abomina, apenas tolerando devido à pandemia, todos os dias oiço queixas
e lamúrias sobre como a vida ficou complicada devido a esta pequena adição aos
costumes diários... para mim, é a minha protecção contra os olhos dos outros,
uma barreira física e mental que me abstém de qualquer julgamento feito sobre o
meu aspecto. Enquanto uso a máscara, consigo enfrentar cem pessoas por dia em
contacto directo. Ninguém conhece a minha cara, ninguém me pode julgar...
gostava que pudesse manter a máscara para sempre, mas felizmente por um lado e
infelizmente pelo outro, acho que este pode ser o último ano em que "usar
máscara" vai fazer parte da "normalidade".
Talvez, daqui a uns meses, quando voltar a estar
desempregado, deva fazer uma entrada aqui apenas sobre a minha experiência com
o uso da máscara. Isto para dizer que comecei a trabalhar, o meu horário é
possivelmente o pior de todos (segundo os outros professores dizem). Apenas
trabalho 20 horas por semana, contudo não tenho uma única aula seguida, tenho
um horário cheio de furos que me faz sair de casa às 7 e chegar às 19 quatro
dias por semana. Não soa muito mau... não fosse a quantidade colossal de
trabalho que tenho de fazer em casa nos meus três dias de fim-de-semana. Tenho
turmas que requerem que eu prepare as aulas em várias línguas... só isso são
pelo menos dois dias de preparação, por semana. Mas enfim, um dia também tenho
de escrever sobre isto, resumidamente fiquei sem "tempo livre", e
quando o tenho - não o tenho na realidade, pois à noite já não tenho cabeça
para ler, depois de levantar às 6 da manha e chegar a casa às 19, e ainda ter
de fazer sumários e outros "deveres". O meu tempo de leitura
desapareceu a meio de Outubro, tendo apenas sido retomado agora na última
semana do ano.
Já reclamei demais da minha vida. Vamos lá ao livro.
**Aviso: O texto que se segue pode conter spoilers
e uma considerável quantidade de sarcasmo.**
**Aviso 2.0: Tudo o que se segue provém da minha
opinião pessoal. Ou seja, não têm qualquer valor para ninguém que não
eu.**
Novamente as personagens
principais encontram-se separadas o que, a meu ver e tal como no livro anterior,
melhora consideravelmente o desenrolar do enredo. Ao passar mais tempo com cada
personagem consegui-mos compreender melhor as suas motivações. Todavia, a meu
ver, temos "PoV's" de demasiadas personagens. Não digo isto a nível numérico,
podiam até ser cem personagens "PoV". Como na "A Essência da
Lâmina" o termo "PoV" não será o mais correcto para as "Crónicas
de Allaryia", o narrador (mais sobre ele adiante) é omnipresente, sabe
tudo sobre todos, omitindo apenas o que lhe convém para tentar criar algum
mistério no enredo. Por vezes saltando entre os pensamentos de várias
personagens, num mesmo capítulo sem quebra de parágrafo. E eis a primeira
problemática.
Não digo que temos acesso a
tudo, por exemplo não faço ideia qual seja o plano final de Seltor (com certeza
algo que faça sentido, visto que é a personagem mais intrigante do livro),
contudo grande parte dos acontecimentos é "estragado" devido ao
leitor ter acesso aos pensamentos de várias personagens (felizmente não todas).
Por exemplo, a revelação da identidade e planos de Dilet foi inesperada e com
sentido (também havemos de lá chegar). Como não tive acesso aos pensamentos da
personagem toda aquela revelação foi intrigante. O mesmo não se pode dizer, por
exemplo, de Tannath. Leio um capítulo centrado nele, onde a personagem revela o
que planeia fazer... depois obviamente não há nenhum impacto quando leio um
capítulo centrado em outra personagem e Tannath aparece para fazer precisamente
aquilo que foi exposto à uns capítulos atrás. Não há qualquer empatia com o
espanto, medo ou pânico das outras personagens, pois o próprio livro já me
tinha dado "spoilers" sobre o que iria acontecer. Devido a este
detalhe na escrita do autor (a nível do português continua perfeito, na minha
opinião), acho que a história perde algum potencial. Há certos capítulos que me
conseguem prender e, aquando do final, me fazem passar imediatamente para o
seguinte. Mas outros, fazem-me perder a vontade de continuar, lá está,
especialmente quando relevam o que vai acontecer em algum capítulo subsequente.
Voltando agora ao narrador.
Desde o primeiro livro que a história nos é narrada por uma personagem, Per...Pre...
(não me lembro como se escreve o nome... mil desculpas), enfim algo acontece
logo no começo num "capítulo" (anexo) intrigante onde, aparentemente,
o próprio narrador é morto! Quem é que está a narrar a história agora? Contudo
não notei grande diferença de estilo, apenas desapareceram os textos iniciais e
finais assinados pela personagem. Mas achei positivo, algo inesperado. Ninguém
espera que o narrador morra a meio da saga tal como o animador dos Monty Python
and the Holy Grail.
Partindo agora para um olhar
sobre as personagens, este livro centrou-se muito em Quenestil que, juntamente
com Slayra, se comportou como uma criança (ou talvez como um adolescente mal humorado)
durante o decorrer de todo o enredo. Ambas as personagens mereciam simplesmente
um par de estalos e um balde de água fria, o mundo está a acabar, os amigos
deles lutam pela sua sobrevivência, e estes dois esqueletos sem cérebro andam a
fazer birrinhas! O que vale é que tudo em seu redor era muito mais interessante
que as duas personagens. Para mim teria sido mais intrigante (acho que estou a
usar muito esta palavra hoje) se tivessem sido exploradas as características do
local onde se encontravam, do povo e dos conflitos com os grupos vizinhos...
quer dizer, isto foi abordado e explorado... mas podia ter sido muito mais aprofundado
em vez de perder tempo com as duas crianças (Quenestil e Slayra, não
literalmente os dois bebés). O Quenestil está completamente perdido, a Slayra
estava grávida e ele não deu o mínimo de apoio. Depois do parto, mesma coisa,
nem foi ver as crianças... epá estava na dúvida se eram dele ou não, porque não
olha para eles? Ele e a Slayra não são o mesmo tipo de elfo eahan! Se as
crianças são dele, com certeza devem ter alguma característica dele! Abra os
olhos e vá ver! Mas não... anda feito barata tonta e depois acaba a meter-se
onde não devia. A Slayra, compreendo que sofreu imenso devido ao Quenestil, mas
também não pensa nas consequências da sua vingança... ou melhor, pensa em si,
assegurando um lugar como uma das mulheres lá do outro chefe... mas então e as
crianças? O tal chefe pode nem as aceitar e manda-las matar... sei lá, isto
ainda está em suspenso para o próximo volume. Chega destes dois.
A personagem principal,
Aewyre cresceu imenso neste volume. Na minha opinião tornou-se na personagem
mais interessante do grupo original. Juntamente com Kror e outras duas
personagens (também interessantes), tenta finalmente regressar a Ul-Thoryn, com
imensas peripécias e contratempos pelo meio. Aproveito aqui para mencionar que
este livro teve poucas cenas de luta, comparativamente aos anteriores, o que é
muito positivo (a meu ver). Kror também se tornou muito mais denso como
personagem, até acabo a torcer por ele. O pobre coitado não quer saber da
Essência da Lâmina, não precisa dela, apenas quer regressar a Karatai, onde se
pode dizer que foi feliz. Relativamente a Kror, Aewyre até demonstra um lado
mais negro, com as suas acções para com este.
Todo o enredo em volta de
Ul-Thoryn representa uma das minhas partes favoritas, contudo vou-me focar num
pequeno detalhe que achei "negativo"... não propriamente negativo, até
positivo... que impressionou mas dececionou um pouquinho ao mesmo tempo. (Frase
confusa não?). Dilet, esperou tantos anos para executar a sua vingança... e
depois deitou tudo a perder. Se ele tivesse ficado calado, os cortesãos,
guardas e etc teriam começado todos à pancada na mesma devido ao teixo, com as
restantes personagens principais no meio, ele apenas teria de se colocar num
local seguro a ver a desgraça... e depois matar os seus alvos (caso estes ainda
estivessem vivos). Mas não... depois de décadas a planear a preparar, deitou
tudo a perder para fazer um típico discurso de vilão. Este capítulo foi bom e
mau ao mesmo tempo, muita cena de luta, mas morreram muitas personagens relativamente
relevantes. Todavia acho que foi o ponto alto do livro, o culminar de enredos
que já vinham desde o primeiro volume.
Terminando agora com Seltor.
A personagem é das mais intrigantes da história, ainda não percebi bem qual é o
seu objectivo (ainda bem), suspeito que talvez ele não seja o típico "dark
lord"... talvez até pelo contrário, estará ele a tentar salvar o mundo, e
as personagens (sem se aperceberem) a tentar impedi-lo de alcançar esse
objectivo? Todos aqueles deuses pareceram-me muito estranhos... este é um dos
mistérios que me dá vontade de ir já começar o próximo livro. Contudo não se
livra de uma criticazinha! Novamente, o problema da revelação do que acontece
com certas personagens. Para mim, Seltor devia ser a personagem mais misteriosa
de todas, apenas aparecendo quando interage com alguma outra personagem e não
como foco de um capítulo. Acho que teria sido muito mais impactante se, ao
longo do enredo, fossem sido deixadas pistas de que algo se passava com os deuses...
estes não estavam a responder aos seus fieis e assim. Isto acontece, mas não é
mistério nenhum, pois temos capítulos centrados em Seltor, onde este anda a
matar os deuses... mais uma vez inviabilizando o potencial mistério.
E já se faz tarde, vou ficar
por aqui. Desta vez vou dar o benefício da dúvida ao livro, acho que tudo tem
vindo a melhorar desde o primeiro volume. Vou dar um 4/5 a este... mas é um 4
pequenino. Isto ainda pode crescer.
Agora, começo já o próximo
ou leio outra coisa entretanto? Ainda não sei. Eu tenho a sensação de que
prefiro ler estes livros de enfiada, pelo menos uns 2-4 capítulos (dependendo
do tamanho destes) mínimo por dia. Devido à minha situação actual, apenas devo
conseguir ler uns poucos capítulos ao fim de semana... podendo levar meses a
acabar o livro. E depois, mesmo fazendo apontamentos (como fiz para este),
vou-me esquecer de pormenores... entre o alvoroço das aulas e avaliações dos
alunos não sei se me consigo concentrar na história. Talvez apenas volte a
pegar nisto no Verão, mas também não queria ficar sem ler nada durante meses...
enfim depois penso como fazer, nem sei porque estou aqui a escrever isto, já se
faz tarde.
Ainda vou ouvir uma das
conversas do autor (Filipe Faria), com a autora Madalena Santos. Filipe Faria
teve uma excelente ideia em começar um canal de YouTube, onde tem conversas com
outros autores portugueses. Acho fascinante e uma enorme fonte de inspiração
para alguém como eu, com esperanças de um dia conseguir publicar alguma coisa...
mas primeiro tenho de ler, ler e ler... e depois escrever e escrever e mais
escrever... tudo a seu tempo.
Uma vénia à arte da capa
original do livro... uma pena eu não ter essa versão.
Ah! Já agora, por nenhuma razão em especial, durante
estas férias de natal arrumei a minha estante de livros! Não tenho muitos e,
infelizmente, não os consigo organizar bem, pois a estante (feita á mão pela
minha mãe à uns anos - ela tem jeito para estas coisas) não tem todas a prateleiras
uniformes, portanto alguns livros que deviam estar juntos não cabem por uma
questão de milímetros. Mas enfim, para a estante de livros "só meus"
(na divisão ao lado não faltam livros, mas estes são os adquiridos por mim,
para mim) já não está mau para um principiante.